sexta-feira, 10 de março de 2017

Explicando minha forma atual de investir – Parte 2



Na parte 1 desta postagem, cujo conteúdo pode ser acessado clicando AQUI, expliquei que utilizo o mercado de ações como investimento principal, mas que crio uma reserva enquanto o preço de mercado não estiver de acordo com o que considero adequado. Disse também que para a criação da reserva, utilizo o Tesouro Direto, que possui rentabilidade aceitável e liquidez diária. Nesta postagem será abordado o que costumo observar na hora de escolher minhas ações.


Antes de tudo, apesar de possuir minhas preferências, não utilizo uma visão radical, o que significa que é possível encontrar exceções na minha carteira. Pode ser que no final desta postagem você olhe minha carteira e diga “ADP, você diz que não gosta da característica X, mas a ação ABCD de sua carteira trabalha justamente com isso”. Em minha defesa, respondo que as preferências não são regras absolutas. Apesar de tratá-las como guias, também dou uma analisada nas ações que, a princípio, não se encaixam nelas. Tudo é uma questão de ter a mente aberta. Esclarecendo esta questão, vamos começar, de fato, com o assunto da postagem.


Margem líquida alta

Uma característica que me atrai muito é uma boa margem líquida que uma empresa apresenta em seus balanços. Na demonstração de resultados, a margem líquida representa o que sobrou da receita após a dedução dos custos e despesas. Pode-se achá-la facilmente dividindo o lucro líquido pela receita líquida.

Se você sabe nada de contabilidade, a língua dos negócios, recomendo o livro “Curso de contabilidade para não contadores”.

Por exemplo, em um determinado período, entre duas empresas que tiveram uma receita líquida de 100 milhões, a primeira obteve um lucro líquido de 10 milhões enquanto a segunda de 6 milhões. Isso significa que a margem líquida da primeira foi de 10% enquanto que a segunda foi de 6%. Se a primeira consegue uma lucratividade maior que a segunda, isso pode representar que esta possui uma vantagem competitiva em relação a segunda.

Quando falamos em vantagem competitiva (entre empresas de um mesmo setor), isso significa que a redução de custos da primeira pode ser proveniente de um processo produtivo mais eficiente, seja por um controle maior dos custos, por estar em uma área geograficamente mais favorável, por seus clientes estarem dispostos a pagar um pouco mais por seus produtos (Coca Cola e Dolly), por a empresa operar com dívida reduzida, por ser usuária de tecnologia mais avançada, por suas subsidiárias possuírem processos mais integrados, dentre outras questões que fazem com que a empresa em questão esteja na dianteira em relação a concorrência.

Além da margem líquida poder ser um provável sinalizador de vantagem competitiva, há o fator segurança. Se por algum motivo as duas empresas forem forçadas a reduzirem seus preços, a primeira terá uma gordura de 4 milhões de reais em relação a segunda, de forma que, dependendo da situação, pode acontecer dela trabalhar no lucro enquanto a segunda ser forçada a trabalhar no prejuízo.


Indústrias produzem coisas; comércio revende coisas

Pensando na margem líquida, tenho preferência por empresas de caráter industrial. Por industrial entende-se empresas que exercem um processo de transformação, como por exemplo, transformação de trigo em massas, de amianto em telhas, de borracha em sandálias, de níquel em fechaduras ou de energia cinética em eletricidade.

Na outra ponta, tem-se as empresas de comércio, que podem ser grosseiramente explicadas como empresas intermediárias entre as indústrias e o consumidor final. São empresas que compram em grande quantidade para venderem em pequenas.

Comparando empresas industriais e comerciais, entendo que as primeiras deveriam ter margem líquida maior que as últimas. Por realizarem transformação, indústrias necessitam de processos mais complexos, mão de obra mais qualificada, maquinário, investimentos frequentes, maior demanda de energia, maior atenção à tecnologia, etc. Na outra ponta, o comércio recebe os produtos acabados, restando um controle de estoque (indústrias também precisam fazer isso) e vendedores. Com o advento da tecnologia e a internet, muitos comércios nem precisam alugar um espaço para vender seus produtos.

Por isso, apesar de não ser regra, seria lógico esperar que as indústrias sejam mais lucrativas e que possuem margens melhores devido a sua natureza complexa. É por isso que não é comum indústrias abrindo comércio. Não temos lojas da Ambev, da Tigre, da Bombril e da Schulz, mas sim comércios que compram grandes quantidades de produtos destas indústrias para revendê-los em pequenas quantidades. Se comércio possuísse maiores vantagens que as indústrias, as indústrias investiriam em suas próprias redes de comércio.


Os produtos e sua hierarquia

Apesar de não ser uma regra, acredito que a tendência é de quanto menos acabado e mais próximo da matéria bruta um produto está, menores investimentos seu processo de transformação demandará e menor será a qualificação requerida para a criação do produto. Por causa disso, aumenta-se a probabilidade desta empresa estar inserida em um ambiente de maior concorrência, menores margens e menor facilidade de repassar os custos. E como produz um produto simples de baixo valor agregado, ele possui maior facilidade de ser substituído.

Por isso, gosto de hierarquizar os produtos de acordo com a sua complexidade. Veja por exemplo a pirâmide abaixo:

Eu não fico criando pirâmides em minhas análises. Esta imagem apenas expressa minha forma de pensar.

Na imagem acima espera-se que quanto mais complexo for o produto, maior valor agregado e maior margem de lucro este deveria ter. Isto seria lógico pois, de que adiantaria construir um produto complexo como um freezer industrial se a margem de lucro dele é menor que a de um parafuso? É por esse motivo que nunca coloquei um único centavo de meu dinheiro na Embraer. Apesar dela produzir um produto incrivelmente complexo e possuir menos de meia dúzia de concorrentes de peso no mundo, sua margem líquida normalmente mal chega aos 2%. Produtoras de pastilhas de freio (Fras-le), fechaduras (Haga), chinelo “de dedo” (Alpargatas) e filtros automotivos (Mahle) possuem margem líquida que dão banho na produtora de aviões.


Expectativa x realidade das margens

Hierarquizar os produtos de acordo com sua complexidade não quer dizer que só invisto em empresas que estão no suprassumo da pirâmide, como por exemplo uma Intel ou uma DJI. O que quero dizer é que faço uma comparação entre expectativa e realidade. Apesar de minha preferência em empresas industriais, a Grazziotin, uma empresa comercial com margem líquida de 14% atraiu minha atenção em um setor cuja média é de 3%. Considerando isso, creio que a empresa possui um diferencial. Na outra ponta, empresas que fazem produtos complexos, mas que apresentam alta receita com baixíssimo lucro (ou seja, baixa margem líquida), não me atraem. De acordo com estes critérios, não concordo com as atuais margens da Embraer e da Iochpe-Maxion. Mas confesso que o melhor dos mundos seria uma empresa que possui um produto que está próximo do topo de sua pirâmide e com margens altas. Temos como exemplo a Ambev e sua margem de incríveis 26%, a Intel com seus chips e a Apple com seus iTudo, ambas com margem de 22%. Quando uma empresa possui uma margem líquida de 15% ou mais, começo a ficar feliz.



Percebi que estou escrevendo esta parte referente às ações e mal estou na metade do que quero escrever. O restante ficará para a parte 3, ok? Para acessá-la, clique AQUI. Só não posso prometer que será a última postagem da série.

Enquanto isso, deixe seu comentário.

31 comentários:

  1. Ótimo tópico como sempre AdP.
    Até hj utilizo suas planilhas hehe

    Abs

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  2. Excelentes tópicos AdP.
    Muito obrigado por compartilhar sua visão conosco.
    Gostei muito da ideia de hierarquia dos produtos. Nunca havia pensado sob esse prisma.

    Abc
    FPI

    https://funcionariopublicoinvestidor.blogspot.com.br/

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    1. Olá Funça,
      Fico sempre feliz de compartilhar este tipo de postagem. Dia 15 sairá a terceira parte.
      Abraços

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  3. ADP,

    Muito bom cara... analise interessante ...

    Abs,

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  4. Olá ADP, cara, continuei postando, porque isso ajuda na minha própria análise. Quanto mais pontos a serem observados, mais rica é a analise. Mande bronca. Dúvida: o que você considera na margem bruta e margem ebit?
    Maestro

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    1. Olá Maestro,
      Eu gosto de uma margem bruta de pelo menos 40% e não vejo margem ebit, par afins de simplificação. Mas o que manda mesmo é a margem líquida.
      Abraços

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  5. Ótima analise...

    Acompanhando sempre aqui..

    Abs.

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  6. ADP continue as postagens e coloque análises técnicas que vc ultiliza. O que está achando do momento da bolsa? Obrigado!

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    1. Olá Alison,
      Se "análise técnica" você quer dizer gráficos, não os utilizo. Sobre o momento atual da bolsa, não tenho muito a dizer. Só posso dizer que ela está fazendo um zag depois do zig, kkkk. Tem gente dizendo por aí que o mercado americano está em bolha, principalmente em relação a empresas de tecnologia que não dão lucro (Snapchat seria um exemplo). Mas vamos ver.
      Abraços

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  7. ADP,

    Bacana, tenho o mesmo pensamento que você em relação a escolha das empresas!

    Eu prefiro muito mais ser sócio, por exemplo, da Hypermarcas do que da Raia Drogasil, sendo que ambas atuam no mesmo segmento.

    Abraços!

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    1. Olá IL3,
      Enquanto uma é fabricante, a outra é comércio. Particularmente prefiro a primeira à segunda. A margem líquida da indústria (35,7%) está muito boa e é bem do que espero. O comércio com margem de 4% é o esperado também, bem baixo e mais suscetível a concorrentes.
      Abraços

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  8. Excelente análise, AdP. Como estou começando agora na RV, você acaba tocando em alguns aspectos que são bem relevantes. Comecei a montar minha carteira de ações neste mês e algumas das coisas que vc mencionou foram levadas em consideração por mim na compra.

    Abraços.

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    1. Olá EP,
      Eu queria também saber de mais blogueiros coisas que eles gostam de olhar na hora de escolherem suas empresas.
      Abraços

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    2. É uma boa pauta mesmo. Vou tentar escrever a respeito, mesmo sendo bem amador no investimento em RV.

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  9. ADP, muito válido tudo que escreveu.
    Agora, numa análise das empresas, você deve levar mais coisas em consideração do que a Margem Líquida, certo?
    EBITDA, Fluxo de Caixa, Endividamento, Dividendos, Liquidez são aspectos que leva em conta?
    Obrigado e abraços!

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    1. Grande Paitax,
      Levo sim. Mas destes citados por você, apenas vejo o endividamento. Fluxo de caixa dou apenas uma olhadinha.
      Abraços

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  10. Muito bacana a análise dos produtos e hierarquia!

    Abs.

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  11. Amigo, voltei com o blog reformulado.

    Vou postar apenas em inglês, mas você pode ver em português traduzindo com o plugin do Google que coloquei lá.

    O intuito da mudança é pra eu me forçar a escrever em inglês e também para o blog ganhar o mundo.

    A linha do blog continua a mesma: ações, ETFs, investimentos no exterior, John Bogle, comportamento pessoal, biografias, livros, sites, dicas de economias pessoais, superação, trabalho e estudo, Jéssica Chastain também.

    Atualização mensal e resultado anual continuam. Análise de resultados de ações brasileiras sempre que sair o anual.

    Mudei o sistema de comentário para o sistema do Disqus (lê-se “Discuss”), essa é uma ferramenta muito bacana pq assim vc vai ver todos os seus comentários e suas respostas e discussões num canto só, se não conhece se cadastre no site Disqus.com vale a pena sim.

    Agora dá pra treinar o inglês lá e deixar sua participação.

    Grande abraço,

    Frugal Simple.

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    1. Olá Frugal,
      O bom é que posso treinar meu reading por lá. Li sua última postagem sem dificuldades. Suas postagens são de grande valia para a blogosfera.
      Abraços

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  12. Fala ADP: como dito anteriormente venho usando este operacional desde que estou na renda variável, não tenho do reclamar! estar ganhando do CDI nos últimos 2 anos é coisa para poucos.

    O que posso lhe dizer é que boa parte de sua metodologia é característica de diversos investidores ao longo do tempo.

    Graham, barsi etc

    Todos usam de margem de segurança para entrada em ativos!

    Já questão das small caps foi extensamente explanada por peter lynch, uma empresa líder do segmento possuindo um market share agressivo tem pouco oferecer em termos de crescimento.

    Geralmente estas ações são extensamente negociadas, precificadas pelo mercado ou por fundos de investimentos chegando a um ponto que fica difícil haver crescimento se não por corte de custos ou aumento de receitas com novos produtos.

    Neste quesito sou igual a ti, prefiro small caps no que tange a crescimento , porem faço contra peso com blue chips ou ações defensivas para minimizar perdas.

    Boa sorte em seus investimentos.


    O ruim da small caps é liquidez pífia seguida de um risco um tanto quanto maior, fortes oscilações tanto no lucro como na cotação etc.




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    1. Sim, o que proponho acaba sendo um bocadinho de cada investidor famoso. Gosto de small caps justamente por influência de Peter Lynch, meu investidor favorito.
      Abraços

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  13. Opa! Se puder adicionar meu outro blog no blogroll, ficarei grato: Porta dos Investimentos (http://portadosinvestimentos.blogspot.com.br)

    Adicionarei seu blog neste novo blog também!

    Muito obrigado e um abraço!

    Ps.: Desculpe a mensagem fora do tema, blog novo, tem que pedir aos amigos ajuda! Valeu!

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  14. ADP, excelente tema. Esta é verdadeiramente a discussão que vale a pena.

    Obviamente cada um tem suas preferências sobre a escolha de empresas e é muito interessante a sua abordagem.

    Sobre as indústrias abrirem suas próprias redes de varejo, veja que não é tão incomum assim, mas depende da indústria, afinal a grande virada da Apple aconteceu em conjunto com o lançamento de lojas próprias. A Microsoft também adotou a mesma estratégia. Nos EUA tem sido muito comum redes de lojas de produtos próprios. Aqui no Brasil temos exemplos como o dá Hering. Como eu disse, pode ser algo particular em determinadas indústrias que tenham maior ou menor dependência dos canais de distribuição ou propensão a verticalização. O próprio advento da Internet foi um facilitador para estimular a venda direta, vide os sites de vendas diretas de passagens pelas companhias aéreas.

    Sobre a questão das margens, como muito bem pontuado no texto, tudo é muito relativo e depende de indústria para indústria, assim como a estratégia de cada empresa. A mergem pode ser um bom indicador sobre a vantagem competitiva de uma empresa o que indica perenidade, mas não necessariamente retorno aos acionistas. Pelo seu texto, vejo vários tópicos conectados com as estratégias competitivas genericas de Porter (https://pt.wikipedia.org/wiki/Estrat%C3%A9gias_competitivas_gen%C3%A9ricas) e as 5 forças de Porter (https://pt.wikipedia.org/wiki/Cinco_for%C3%A7as_de_Porter). Não sei o quanto tem estudado este assunto, mas existem bons livros de estratégia que podem clarear sua visão sobre estratégia competitiva das empresas. Eu começaria por algum livro de Porter. A estratégia do Oceano Azul também é muito bom.

    Abraços

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    1. Olá EI, sempre bom vê-lo por aqui.
      Não conhecia o Poter e já baixei o livro dele em inglês. Se a leitura não for pesada, vou lê-lo.
      Abraços

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    2. Pois é ADP,

      Apesar de ser da década de 80, as teorias do Porter continuam super atuais. Acredito que a leitura vá conectar muitos pontos de assuntos que surgem nas discussões do dia a dia sobre empresas e que muitas vezes sabemos que existem pela prática mas não sabemos exatamente a teoria que os explicam.

      Boa leitura. Não é exatamente o assunto que costuma ler (finanças), pois está ligado a gestão estratégica, mas acredito que seja de grande valia para sua vida, sobretudo a profissional, depois comente o que achou.
      Abraços

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  15. Obrigado por mais um ótimo post e pela dica do livro.

    Ainda tenho dificuldades pra entender estes termos importantes usados para analisar as empresas. Pesquisei e encontrei esse livro na biblioteca da minha faculdade. Mais um pra fila dos estudos. =D

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